por Marlusse Pestana Daher
SOBRE O AUTOR
Marlusse Pestana Daher
Promotora de Justiça, Ex-Dirigente do Centro de Apoio do Meio Ambiente do Ministério Público do ES; membro da Academia Feminina Espírito-santense de Letras, Conselheira da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Vitória – ES, Produtora e apresentadora do Programa “Cinco Minutos com Maria” na Rádio América de Vitória – ES; escritora e poetisa, Especialista em Direito Penal e Processual Penal, em Direito Civil e Processual Civil, Mestranda em Direitos e Garantias Fundamentais.
A cidade em que vivemos tem um nome deveras expressivo, Vitória! Mas pode ser que não esteja muito longe o dia, em que, ainda que com muito constrangimento, devamos mudar para Derrota.
Vivemos um dos momentos de maior explosão de tudo aqui. Fala-se que a construção civil vive a mais áurea de suas fases, para alegria do empresariado do gênero. Ela (a construção civil) responde a tudo que com ela se faz, diz um dos seus mais entusiastas propagandistas. Os minúsculos apartamentos são vendidos a preço de mansões, mas ninguém está prestando atenção. Paga-se o que o vendedor propõe. Não é que estejamos “cheios de dinheiro”, estamos hipnotizados.
A PETROBRÁS constrói sua sede, sem nenhum respeito a direitos fundamentais da pessoa, a princípios inarredáveis do denominado desenvolvimento sustentável. Quando de suas licenças falou em três mil funcionários, mas já dobrou, serão seis. Com carros, etc e tudo. Quando estiver pronta, o trânsito sufocado da Praia do Canto vai-se tornar mais que caos, porque caos já é. As audiências públicas anteriormente realizadas o foram só no nome. Derrubou árvores e arrasou com tudo que encontrou pela frente, para erguer o que pretende.
A CESAN cuja capacidade de fornecimento de água é limitado, atende a todos com tanto beneplácito, mas ela não sabe onde pode chegar. O precário sistema de tratamento de esgoto, inevitavelmente será reduzido, nem há como melhorá-lo em breve tempo. O que vem por ai, pede-lhe muito mais do que pode oferecer.
Continuam sendo licenciadas pelo IEMA hidrelétricas que dizem não roubar água dos rios em cuja margem se implantam, muito pelo contrário, restituem-na integralmente, é o que se diz, mas provocam impactos ambientais de cuja retribuição não cogita onde e como processará.
A multiplicação da pista na Fernando Ferrari destruiu significativa parcela do mangue na adjacência. Não obstante a Constituição Federal, lei Maior: Art 225: § 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
Na avenida Camburi, tudo foi outro caos, além de mais uma vez o mar ter sido mandado um pouco mais para lá. A devastação que faz em Conceição da Barra, a perspectiva de acabar com aquela cidade em menos de cinco anos, não tem servido de alerta.
O desrespeito em face do motorista extrapola todas as raias. Como é o caso daquele guarda municipal que no fim da tarde do dia 25 de outubro, estava na cabeceira da ponte Airton Sena (Praia do Canto), que ao invés de organizar o trânsito para evitar os motivos que o fazia multar, se divertia em multar e multar e multar. De forma desonesta e irresponsável, vez que anotava num pedaço de papel a placa e a hora e apesar de suas vítimas estarem paradas, não as notificava.
Até a presente data, não se tem o índice que mensura a poluição do ar em Vitória, pelo que, as grandes poluidoras podem continuar estufando o peito e dizer que sua poluição está dentro dos parâmetros legalmente permitidos. Há diferença entre o fato e o direito e há caso em que aquele necessariamente deve estar acima deste. Mas não é posto.
A Administração Municipal que faz de conta que administra acaba de decidir construir “casas popularíssimas” (entendeu porque né?) em remanescente de área verde – Fradinhos - no território da capital. Ela também – entre mais e mais - deu cartão verdepara os empresários que pretendem nos privar da vista do Convento da Penha e assim acabar com uma parte da ternura da qual ainda dispomos, quando olhamos o outeiro e pensamos na Mãe que lá está, sempre receptiva aos nossos apelos. O entorno é tombado. Há lei que proíbe tal licença, mas a lei não tem servido para conter o desrespeito imensurável. Inclusive, onde toda decisão deve ser interpretativa da mesma lei.
Para que tudo isto, se a natureza está chegando ao limite do que pode suportar? Quem desfrutará de avenidas exuberantes, quem precisará de obras colossais, numa cidade que se prepara para ser impossível habitá-la?
E eis que me lembro daquela pessoa que poucos anos atrás, na Av. Rio Branco, fazia um protesto solitário contra a construção do Hospital da UNIMED, onde hoje ele está, por motivos iguais a estes. Estará por ai, gostaria de reencontrá-lo.
Por que tanta surdez? por que tanta cegueira? por que tanta insensatez?
No seu livro Um Sopro de Destruição, Pensamento político e crítica ambiental no Brasil escravista (1786-1888) o Prof. José Augusto Pádua, professor da UFRJ, apresenta o resultado de sua pesquisa no mencionado período. O clamor em favor da ecologia não data das grandes conferências das quais falamos, vem de lá.
Entre o que mais dramático se tem, é a percepção do homem que agora, não há de ser lembrado só como o Patriarca da Independência, mas Precursor de todos os ambientalistas, José Bonifácio de Andrada e Silva. Dirigindo-se à Assembléia Constituinte e Legislativa do império do Brasil sobre a escravatura, em 1823, assim se manifestou: A Natureza fez tudo a nosso favor, nós, porém pouco ou nada temos feito a favor da Natureza. Nossas terras estão ermas, e as poucas que temos roteado são mal cultivadas, porque o são por braços indolentes e forçados.Nossas numerosas minas, por falta de trabalhadores ativos e instruídos, estão desconhecidas ou mal aproveitadas. Nossas preciosas matas vão desaparecendo, vítimas do fogo e do machado, da ignorância e do egoísmo. Nossos montes e encostas vão-se escalvando diariamente, e com o andar do tempo faltarão as chuvas fecundantes que favorecem a vegetação e alimentam nossas fontes e rios, sem o que o nosso belo Brasil, em menos de dois séculos, ficará reduzido aos páramos e desertos da Líbia. Virá então esse dia (dia terrível e fatal), em que a ultrajada natureza se ache vingada de tantos erros e crimes cometidos.
Ou Joaquim Nabuco: A cada passo encontramos e sentimos os vestígios deste sistema que reduz um belo país tropical ao aspecto das regiões onde se esgotou a força criadora da terra... Onde quer que se a estude, a escravidão passou sobre o território e os povos que a acolheram como um sopro de destruição. (O abolicionismo – 1823).
A realidade é terrível, poucos se posicionam, a maioria prossegue indiferente.
Não estamos resignada, ao mesmo tempo, protestamos a esperança de que muito gostaríamos que haja muito mais gente abraçando conosco esta causa. Em 2008, havemos de nos posicionar com muito mais força do que o fizemos em qualquer tempo. Há de ter um jeito. Vamos procurar onde ele está.
Nenhum comentário:
Postar um comentário